quarta-feira, 1 de setembro de 2010

DILEMAS SOBRE A REORGANIZAÇÃO DA CARREIRA DOCENTE NAS IFES

Luiz Henrique Schuch - ADUFPEL SSIND
20 de junho de 2010

1- O DISTANCIAMENTO ENTRE AS CARREIRAS dos docentes do terceiro grau e a dos docentes do 1º e 2ª graus (agora EBTT), apesar de toda a luta pela carreira única nas Universidades Federais, que implicou em anos de esforço de articulação com o SINASEFE e várias Comissões no MEC.

2- A referência no arcabouço de Carreira escrito no Caderno 2, que foi sendo desconectado de sua essência no que diz respeito ao funcionamento das IFES, por imposição das políticas de governo e por permissividade interna. O problema mais decantado é que a carreira começa no final para uma importante parcela dos ingressantes (já sendo portadores do título de doutor entram como adjunto). Porém os problemas mais profundos não têm sido enfrentados:
a- No Caderno 2, o conceito é de uma carreira de CARGO ÚNICO (as classes e níveis não deveriam seccionar a evolução e foram tratadas apenas como arquitetura interna), mas na prática está fadada a funcionar para as IFES como uma carreira de 4 cargos distintos;
b- Conforme o Caderno 2, O DESENVOLVIMENTO DA VIDA FUNCIONAL DO DOCENTE NA CARREIRA foi previsto para longo curso, em função do caráter coletivo/colegiado/democrático da instituição e obedecendo a indução combinada e equilibrada do tempo de serviço, da titulação e da avaliação. Mas este equilíbrio foi destruído com o passar do tempo;
c- A implantação e administração da Carreira docente, conforme foi prevista no Caderno 2, deveria ser consistente e reciprocamente indutora com a evolução das Universidades Federais a partir das bases previstas na Proposta do Andes para a Universidade Brasileira, muitas delas conquistadas na Constituição de 88 e previstas no PUCRCE ainda em vigor, como: implantação e administração da carreira pelas próprias IFES com base na autonomia (art. 1 do PUCRCE); isonomia salarial (art.2 do PUCRCE); atividades acadêmicas próprias do pessoal docente pertinentes a indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão (art.3 PUCRCE), entre o outras. Mas estas BASES FORAM SUBVERTIDAS NA PRÁTICA.
d- A grade salarial decorrente da Carreira prevista no Caderno 2 estava ajustada na evolução de VALORES GLOBAIS DE REMUNERAÇÃO, por degraus resultantes da aplicação de uma lógica de índices, dentro de amplitude definida entre o menor e o maior salário, valorizando o regime de dedicação exclusiva. Mas a amplitude foi alterada, a lógica da evolução salarial foi destruída, a remuneração por dedicação exclusiva foi retirada do texto da lei, a retribuição por titulação foi retirada do corpo da remuneração e transformada em, apenas, mais um item da penca de gratificações.

3- A obstinação dos governos que se sucederam nas duas últimas décadas, voltada a induzir progressivamente um ciclo de mutações brandas das normas infraconstitucionais e das práticas a respeito dos servidores públicos, utilizando inclusive as mesas de negociações salariais e modificações das Carreiras para impulsionar ALTERAÇÕES DE FUNDO NA ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS EM DESACORDO COM OS PARADIGMAS DEFINIDOS NA CONSTITUIÇÃO DE 88. Esta operação tem sido promovida, invariavelmente, desrespeitando os direitos dos servidores públicos mais antigos e discriminando os aposentados, pelas distorções impostas através dos CRITÉRIOS DE TRANSIÇÃO E ENQUADRAMENTO NAS NOVAS CARREIRAS.

4- Reconquistar o espaço para negociação real da Carreira docente das IFES poderá torne-se elemento positivo de MOBILIZAÇÃO DA CATEGORIA, caso ocorra com ampliação da consciência sobre o que está em jogo.

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I- O DISTANCIAMENTO ENTRE AS CARREIRAS
Avançar na busca da Carreira Única para todos os docentes das instituições de ensino superior brasileiras, com base na proposta de Carreira várias vezes aperfeiçoada e publicada no Caderno 2, tem sido uma diretriz permanente do movimento docente. Nesta linha, tivemos avanços importantes em algumas Estatuais e, nas Federais, a luta mais candente tem sido a busca pela unificação da carreira dos docentes do 3º graus, com a carreira dos docentes do 1º e 2º graus (atualmente EBTT).
Foram anos de grande esforço, prioridade do GTcarreira, articulação (especialmente com o SINASEFE) e enfrentamento às investidas governamentais.
Deste processo, podem ser destacados alguns elementos:
a- A dinâmica foi bastante influenciada pelo esforço para unificação de propostas com o SINASEFE e, mesmo quando se evidenciou que essa aproximação somente seria possível em divergência com alguns pontos que estão consignados na proposta de carreira do ANDES SN, o assunto demorou a ser tratado como um problema de todo o movimento docente (também dos outros setores, além do setor das federais). Foi preciso que o conjunto reconhecesse politicamente as insuficiências do projeto de carreira do ANDES SN para as exigências atuais. Este impasse somente foi relativamente desobstruído pelas deliberações dos dois últimos Congressos do ANDES-SN. Mesmo assim, considerando mais as divergências quanto a estrutura que dificultavam a aproximação das duas carreiras, do aquelas inconsistências de fundo que já vinham sendo identificadas em ambas.
b- Apesar da alternância de tonalidades na relação com os órgãos oficiais (MEC e MPOG) durante esse processo, foi possível revelar que as dificuldades impostas pelo governo estavam localizadas muito além da divisão administrativa em duas secretarias distintas do MEC (SESU e SETEC) e da alegada diferença de titulação entre os dois segmentos (docentes do 3º grau e docentes do 1º e 2º graus). O pano de fundo sempre foi evitar que a atividade própria dos docentes da carreira do 1º e 2º graus fosse “contaminada” pelo paradigma indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão. Além disso, o governo criou as condições para impor um rebaixamento ao desenvolvimento do docente na carreira da EBTT exclusivamente limitado ao componente “avaliação de desempenho”. Ampliou, também, com isso, a parcela remuneratória dependente do atendimento de metas.
O governo demonstrou que se dispõe a mobilizar recursos e “pagar algum nível de reposição de perdas” quando se trata de introduzir os conceitos sobre os quais se pauta, inclusive porque amplia os mecanismos com os quais logo adiante pode fazer enxugamento da folha de pagamentos.
c- O resultado das alterações nas duas carreiras, depois de acordos assinados com o SINASEFE e com o PROIFES, foi transformado em lei em decorrência da MP 431/2008.
Aqueles docentes que estavam organizados na carreira do 1º e 2º graus, saíram do processo com diferentes alternativas de carreira, do que decorrem dificuldades adicionais para convergir em direção à carreira única.
Houve a criação de nova classe nas duas carreiras, inacessível aos aposentados.
O arcabouço das duas carreiras foi ajustado, de modo que podem ser justapostos, porém o desenvolvimento da carreira do docente, em uma e outra, nunca foi tão díspar.
Embora mantidas as classes, o ingresso na nova carreira para os docentes da EBTT só é concebido no início da carreira e todas as progressões só acontecerão por avaliação de desempenho. Nem mesmo a titulação garante por si só a progressão. O interstício para cada nova avaliação de desempenho foi reduzido para 18 meses, o que por um lado poderá acelerar a progressão, mas por outro acelerará a exigência de que cada docente demonstre o cumprimento das metas.
O diferencial salarial por titulação foi retirado da estrutura remuneratória das carreiras e não consignado como parte da aposentadoria.
O diferencial salarial por dedicação exclusiva foi suprimido do texto da lei.
A relação do vencimento básico com os “penduricalhos” piorou, pois as gratificações perderam qualquer relação lógica com a estrutura remuneratória da carreira. Deste jeito, os docentes estão submetidos a induções mais vigorosas alheias a estrutura da carreira do que ao desenvolvimento do seu trabalho estimulado pelo caminho que a carreira aponta.
Na mesma MP, a partir do artigo 140, foi incluído, de contrabando, um capítulo que generaliza no serviço público um sistema de avaliação de desempenho que vincula parte da remuneração dos servidores a pontuação por atendimento de metas fixadas de fora para dentro (ou de cima para baixo).
Em resumo, no que diz respeito ao desenvolvimento da carreira, estamos agora mais distantes da carreira única nas IFES.

II- CARGO ÚNICO

A carreira concebida pelo ANDES SN em classes e níveis foi inspirada na lei que regia a carreira das universidades autárquicas no início da década de 80, mas se estabeleceu respeitado o conceito de cargo único.
O cargo de pessoal no serviço público só pode ser criado por lei e só é acessível por concurso público. Assim, os quadros docentes necessários ao funcionamento de cada universidade deveriam ser abertos como certo número de cargos docentes, sem fixar o número (ou percentual) de cargos de docentes da classe A, B ou C.
Durante os debates que resultaram na unificação da carreira dos docentes das universidades federais fundacionais, em 1985, chegou a ser proposta a constituição da carreira docente de cargo único hierarquizada apenas por níveis salariais, sem distinção de classes, já que estas traziam certa herança da extinção (negociada) da Cátedra. Porém, foi tomada a decisão tática de manter a denominação das classes (auxiliar, assistente, adjunto e titular) que constavam na lei que regia a carreira das universidades autárquicas, para facilitar a unificação posterior de todas as universidades federais, o que realmente foi conquistado dois anos depois. A concepção de cargo único estaria garantida, já que a própria carreira normatizava as formas e critérios para que o docente pudesse ascender às classes e níveis superiores sem, para isso, trocar de cargo.
O primeiro tropeço nesta concepção ocorreu quando, por força da exigência constitucional de concurso público para ingresso no nível mais alto da carreira, as interpretações jurídicas derivaram para o entendimento de que sendo exigido concurso público para professor titular, este deveria ser considerado outro cargo. Hoje convivemos com uma ambigüidade terrível a respeito de como e quando é possível destacar vagas para concurso de Titular. Pior ainda é que os docentes da própria instituição aprovados nesses concursos precisam ser demitidos do “cargo” que ocupavam para assumir como Titular, com todas as conseqüências decorrentes.
Outro conflito semelhante ocorreu, no início da década de 90, em relação à carreira dos servidores técnico-administrativos das IFES. A carreira previa a possibilidade de ingresso nas vagas abertas pela via do concurso público somente depois que fossem oferecidas para acesso por concurso interno aos servidores que já fizessem parte da carreira. Várias instâncias fiscalizatórias e do judiciário derrubaram esta segunda alternativa sob o argumento de que havendo possibilidade de ingresso em determinada função por concurso público, só esta possibilidade poderia ser considerada lícita. Qualquer outra incorreria em alguma forma de burla ao preceito constitucional que limita a via de ingresso nos cargos públicos de carreira unicamente por concurso público.
Quando as universidades generalizaram a prática de lançar editais para ingresso na carreira do magistério superior federal diretamente na classe de professor assistente (exigindo diploma de Mestre), e na classe de professor adjunto (exigindo diploma de doutor), começaram a haver denúncias do ministério público contra as progressões para essas classes de docentes já pertencestes à carreira, na forma prevista no PURCRE.
As denúncias havidas mais recentemente determinam o retorno para a posição anterior e devolução salarial aos docentes que progrediram para a classe seguinte por obtenção dos títulos de mestre ou doutor. Isto com base no mesmo princípio, isto é: sendo possível o ingresso diretamente por concurso público, qualquer outra forma de acesso aquela condição seria inconstitucional.
Nestes termos, estamos diante de uma situação em que a carreira federal do magistério do 3º grau (constituída pelos vários níveis nas classes de auxiliar, assistente, adjunto, associado e titular) estaria convivendo não com a idéia de cargo único (e possibilidade de desenvolvimento de toda a carreira depois do ingresso por concurso público), mas com o funcionamento dividido em 4 cargos públicos distintos somente acessíveis, cada um deles, por concurso público: 1- Cargo Professor Auxiliar, para todos aqueles que ingressaram por concurso para esta classe, graduados, mestres ou doutores; 2- Cargo de Professor Assistente, para todos os que ingressaram por concurso público para esta classe, mestres ou doutores; 3- Cargo de Professor Adjunto e Associado, para aqueles os que ingressaram por concurso público para a classe de professor adjunto; e , 4- Cargo de Professor Titular, para aqueles que ingressaram por concurso público para esta classe.
Independentemente de que tudo isto seja levado às últimas conseqüências ou não, é necessário que a discussão sobre estrutura da carreira docente nas IFES traga solução para esta questão.

III- DESENVOLVIMENTO DA VIDA FUNCIONAL DO DOCENTE NA CARREIRA

Os efeitos de uma determinada carreira docente sobre a maneira com que o trabalho vai ser desenvolvido (e sobre os rumos que esse trabalho vai imprimir à instituição universitária) provêm muito mais dos elementos indutores de avanço e menos da estrutura da carreira propriamente dita. Isto é, quando alguém é contratado e toma conhecimento da Carreira a qual está submetido, o trabalho docente recebe influência de como ele projeta o seu desenvolvimento durante toda a vida profissional, até a aposentadoria. É claro que as duas coisas estão relacionadas, mas a discussão a respeito da estrutura não pode sobrepor-se a discussão sobre o desenvolvimento na carreira.
É por isso, também, que a carreira precisa abrir perspectiva de longo curso, como que um pacto completo que possa projetar a vida profissional de toda uma geração de docentes. Perde o sentido quando é tratada por impulsos conjunturais.
Na proposta de Carreira do ANDES SN o desenvolvimento na carreira foi previsto para condições de trabalho adequadas em ambiente coletivo/colegiado, pela convergência equilibrada dos significados de tempo de serviço, de titulação e de avaliação.
As condições para expressão destes atributos mudaram muito nas IFES.
As condições de trabalho tem sido precarizadas de várias maneiras.
O ambiente de trabalho se alterou de um regime de colaboração para um regime de concorrência individualista e predatória, que valoriza o segredo e desqualifica os espaços coletivos.
A retribuição por tempo de serviço, por meio de qüinqüênios (ou anuênios), foi abolida para todo o serviço público federal e dificilmente será revertida somente para uma categoria.
A respeito da titulação há contradições. O percentual de docentes doutores é muitíssimo mais elevado hoje em dia, comparativamente ao período em que a carreira docente das IFES foi aprovada. Via de regra, os ingressantes na carreira docente já são portadoras do título de doutor, o que tem secundarizado um elemento que era considerado inseparável da carreira: o Plano de Capacitação. Por outro lado, a titulação garantia, aos membros da carreira, condições de progressão de classe (aspecto contestado pelo ministério público), mas este tipo de progressão não era exclusivamente vinculado a obtenção de titulação. O mais importante quanto ao significado da titulação no desenvolvimento da carreira, atualmente, é que o pagamento saiu da remuneração básica correspondente a grade da carreira e passou para uma gratificação de valores não organizados em progressão lógica, exposta as oscilações do jogo de conveniências. Assim, a remuneração por titulação passou a estar destacada do desenvolvimento na carreira e do patrimônio na aposentadoria, desde 2008.
O desequilíbrio decorrente destas inflexões é a supervalorização da avaliação, que ainda não foi plenamente operacionalizada na carreira dos docentes do 3º grau das IFES, diferentemente da sua vigência soberana nas demais carreiras do serviço público, inclusive na carreira dos docentes da EBTT. Como já foi dito, com as modificações introduzidas em 2008 o ingresso nessa carreira ocorre somente no início, independentemente de titulação, e a progressão depende das avaliações a cada 18 meses.
O desafio é encontrar uma maneira de recuperar, nas condições atuais, o equilíbrio necessário entre os significados de tempo de serviço, titulação e avaliação no desenvolvimento da carreira que venha a ser proposta.
Sem isto, qualquer das alternativas que recuperem a carreira de cargo único debatida no item anterior, fatalmente resultará em exacerbação dos condicionamentos oriundos do sistema de avaliação sobre a vida funcional docente (e suas conseqüências ao ambiente universitário). Estrutura por classes (nominadas, numeradas ou inominadas), por classes e níveis ou simplesmente por níveis, o desenvolvimento na carreira seria determinado pela corrida ao atendimento de metas.

IV- BASES FORAM SUBVERTIDAS NA PRÁTICA

A Carreira real, desenvolvida pelos docentes em sua vida funcional, é diferente da Carreira escrita na lei.
A Carreira vigente na norma aponta caminhos, condiciona, garante direitos, mas a sua execução recebe influências variadas que são oriundas de outras fontes.
Tanto a Carreira escrita na lei como a Carreira real, influenciam o rumo da instituição universitária que está sempre em construção, como também recebem influência da vida acadêmica concreta. Neste processo de moldagem mútua, muitas vezes as sutilezas, o que não é explicitado, os níveis de tolerância, os significados e valores atribuídos informalmente, são os mais importantes no resultado em médio prazo.
Para o ANDES SN, as característica da Carreira docente sempre foram tratadas como questão estratégica pela consciência do quanto podem influenciar os rumos da universidade.
Assim, acreditamos que o RJU, a prioridade para a dedicação exclusiva com remuneração global e isonômica para o cargo, progressão equilibrada por tempo de serviço, titulação e avaliação, a paridade aos aposentados, entre outros atributos, tem tudo a ver com a construção da universidade como instituição pública, autônoma (inclusive para avaliação e prestação de contas à sociedade), democrática, em busca do padrão de qualidade referenciado social e historicamente, comprometida com a construção do conhecimento através da indissociabilidade ensino, pesquisa, extensão, com desprendimento crítico e criativo em base ao rigor científico e ao debate público.
Do mesmo modo, os protagonistas do neoliberalismo também consideram estratégico imprimir, nas carreiras do serviço público, elementos indutores da lógica que defendem. Quando identificam condições políticas encaminham alterações das normas, mas independentemente disso, operam constantemente por induções fragmentadas dos comportamentos e posturas. Para esse serviço nas universidades tem conseguido a colaboração de várias reitorias. O estimulo às fundações privadas ao arrepio da lei, a sistemática de financiamento da pesquisa através de editais dos fundos setoriais, a deturpação explícita ou velada do regime de DE, a segmentação em núcleos ditos de excelência e colegiões de terceiro graus distribuídos especialmente nos novos campi, a desqualificação dos colegiados, são só alguns exemplos de mecanismos que vem subvertendo, na prática, as bases da carreira docente.

V- VALORES GLOBAIS DE REMUNERAÇÃO

A principal arma utilizada pela onda neoliberal na América Latina para quebrar o caráter público construído historicamente nas universidades em vários países foi a redução drástica dos salários ladeada pela criação de mecanismos de complementação, até por colocar em cheque as condições de sustentação e sobrevivência familiar dos docentes.
Com isso, os núcleos de resistência foram sendo reduzidos e os valores de mercado introduzidos.
No Brasil não tem sido diferente. A tática utilizada é bem conhecida e aplica alternância de momentos para alcançar um só objetivo. Fases que levam o arrocho ao limite (congelamento salarial, cortes orçamentários e degradação das condições de trabalho), criam as condições para que, no momento seguinte seja sinalizada, com ares de benevolência, a possibilidade do afrouxamento do torniquete mediante condições. E as condições, ornadas por justificativas que exaltam falaciosamente o interesse social, são sempre voltadas a institucionalizar patamares cada vez mais aprofundos do projeto neoliberal.
O movimento docente enfrenta esta realidade há duas décadas com muita luta, convivendo com manipulações divisionistas. Obteve vitórias, amargou derrotas e, talvez, o tema mais grave inscrito no campo das derrotas quanto a questão da carreira real, tenha sido exatamente a instituição de gratificações produtivistas em detrimento do vencimento básico.
O debate sobre reformulação da carreira docente precisa ser também um movimento político para reconquistar o caráter global da remuneração: uma só linha no contra-cheque. Remuneração organizada com justiça e coerência lógica, que corresponda à valorização do desenvolvimento na carreira e o regime de dedicação exclusiva.

VI- ALTERAÇÕES DE FUNDO NA ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS EM DESACORDO COM OS PARADIGMAS DEFINIDOS NA CONSTITUIÇÃO DE 88

Já temos analisado exaustivamente, no âmbito do ANDES SN, o significado das contra-reformas introduzidas pós-Constituição de 88, especialmente no que diz respeito ao papel do Estado e das instituições públicas.
As diretrizes definidas no artigo primeiro do Decreto 6944 (denominado “choque de gestão”), editado pelo governo em agosto de 2009, são suficientemente eloqüentes para explicar para onde estão sendo empurrados os órgãos públicos federais, como as universidades:...IV - orientação para resultados; V - racionalização de níveis hierárquicos e aumento da amplitude de comando; VI - orientação para as prioridades de governo!!!!
É com este nível de desfaçatez, que os contra-reformistas do Estado, instalados nos governos desde a década de 90, burlam a Constituição de 88 e tripudiam sobre a autonomia universitária. Sob a bandeira do “Estado Gerencial” operam transformações do espaço público para submetê-lo à lógica e aos interesses privados, instalando um novo tipo de patrimonialismo. Bresser Pereira foi explícito no objetivo de empurrar as políticas públicas até então assumidas pelo Estado para o ambiente dos “serviços competitivos”, que denominou “quase mercados”.
Nesta lógica, é alterado o papel das instituições públicas, são definidas metas gerais e setoriais, e são fixados mecanismos padronizados de avaliação/fiscalização. A reestruturação das carreiras dos servidores públicos passa a ser prioridade para transformar a remuneração em um mecanismo de prêmio/submissão ao cumprimento de metas determinadas de fora para dentro.
Assim, o direito individual e coletivo à educação passou a ser tratado como a aquisição de um serviço educacional contratado pelas regras de mercado (alcançado por pagamento direto ou na lógica das políticas compensatórias), e o dever do Estado transferido para a regulação de um espaço fluido de mercado, geralmente denominado de organizações sociais, cuja relação com o orçamento público só ocorrerá por “contrato de gestão”.
É bom lembrar que a última reunião da Mesa Nacional de Negociações Permanentes -MNNP foi aquela em que as entidades sindicais dos servidores públicos federais levaram ao governo um acordo, entre todas elas, a respeito do que deveriam ser as Diretrizes dos Planos de Carreira, todas assentadas na Constituição. Os termos deste acordo, apresentado inclusive com o apoio de uma apresentação de slides, deixaram perplexos os representantes do governo que já trabalhavam em outro sentido. Certamente foi este o motivo de que uma nova reunião só tenha sido convocada muitos meses depois, pelo secretário Sergio Mendonça, para comunicar a extinção da MNNP.

VII- CRITÉRIOS DE TRANSIÇÃO E ENQUADRAMENTO NAS NOVAS CARREIRAS

Diante disto tudo, é evidente que a possibilidade de reformulação da carreira docente somente poderá acontecer num ambiente de disputa de projetos estruturalmente divergentes e que o desdobramento em vitória ou derrota dependerá da correlação de forças.
Precisamos ter a consciência de que a única carreira ainda vigente no âmbito do serviço público federal que permanece estruturada sobre os paradigmas originais da Constituição de 88 é o PUCRCE, estabelecido pelo Decreto 94.664, editado no ano de 1987 em clima constituinte. O fato de que alguns dos preceitos compatíveis com o caráter público das universidades, escritos neste documento que rege a Carreira docente nas IFES, terem perdido eficácia na prática, não diminui o desejo dos contra-reformistas do Estado de vê-los varridos do aparato legal. Por isso, advogam constantemente a necessidade de reformular a carreira docente das IFES (com objetivos opostos aos do movimento docente).
Em todas as tentativas de negociação com o governo no que diz respeito à reestruturação da carreira docente ficou evidente, além das divergências de objetivos e conteúdos, a oposição quanto aos critérios de transição, transposição e enquadramento nas novas carreiras, particularmente quanto aos aposentados.
Este tópico se torna tanto mais grave quanto pior o posicionamento na correlação de forças, pois mesmo uma proposta de carreira que pareça razoável, pode se transformar em desastre por causa de um ou dois artigos, incluídos de última hora, sobre transposição e enquadramento.
Em 2009 por deliberação do Setor das IFES, diretores do ANDES SN levaram para a reunião com as autoridades da SRH/MPOG a posição de que seria preciso fixar, preliminarmente, alguns critérios gerais de transposição, como condição para constituir mesa de negociação sobre carreira. Foi quando o secretário Duvanier reagiu com aquela série de violências, especialmente contra os aposentados. Para evitar os tradicionais nivelamentos por baixo e discriminações, a proposta de transposição/enquadramento definida pelo Setor das IFES para negociação, seria utilizar como critério que todo o docente, ativo ou aposentado, manteria, na eventual carreira nova, a mesma relação com o topo da carreira antiga em que estava enquadrado. Ou, alternativamente, cada um seria enquadrado na mesma posição relativa em que estava, considerando a amplitude das duas carreiras, desde que não significasse redução de salário.
Mesmo sem tratar de uma nova carreira, a prática de sinalizar possibilidades de aumentos salariais criando novas classes ou níveis no topo trazem consigo o componente discriminatório de impossibilidade de acesso (discriminação, em todo ou em parte, pelo enquadramento).
Provavelmente, o receio de enfrentar os riscos que podem estar contidos na transposição para uma nova carreira venha pesando para manter certo apego à estrutura da carreira herdada das décadas de 60/70, mesmo que muitas inconsistências sejam identificadas. Apesar disso, não foi possível evitar a discriminação, por exemplo, quando surgiu a classe de professor associado na carreira docente do 3º grau e se aprofundará caso vingue a idéia de criar nova classe de professor sênior.

VIII- MOBILIZAÇÃO DA CATEGORIA

Confundir a luta pela Carreira com a luta por reajustes salariais tem sido o viés mais freqüente da despolitização, e motivo de derrotas nos dois temas.
Apesar de ter sido um dos assuntos mais debatidos em toda a existência do movimento docente organizado no ANDES SN, a carreira ainda continua sendo tratada como fetiche em alguns discursos que brotam em momentos de crise. É preciso repetir que ao tratar da carreira docente com responsabilidade estaremos tratando da disputa de projetos para a universidade brasileira. Neste campo, ter boa proposta não significa obter vitórias. Porém, sem uma boa proposta não será possível sequer politizar a questão e chamar os docentes para a luta.
O tema tem potencial para despertar a mobilização da categoria e é preciso investir nisso.

IX- CONCLUSÃO

Considerando os argumentos apresentados, será preciso elaborar uma proposta para reestruturação da carreira única dos docentes das IFES que equacione concomitantemente pelo menos: a recuperação do caráter de cargo único; o equilíbrio dos elementos que determinam o desenvolvimento na carreira (tempo de serviço, titulação e avaliação); a estrutura que supere as incoerências e que proporcione desenvolvimento de longo curso, para toda a vida funcional do docente; remuneração em valores globais, organizados em progressão lógica que corresponda à estrutura da carreira, dentro de uma escala justa; e, as garantias de transição/enquadramento que preserve os direitos.
Sem recuperar o caráter de cargo único, a evolução na carreira perde o sentido.
Na conjuntura atual, carreira de cargo único provavelmente só seja possível estabelecendo o ingresso obrigatoriamente no início da carreira. Nestes termos, a existência de classes poderia ficar inconsistente e seria necessário prever outra forma para recompensar a titulação, talvez saltos de níveis.
Recuperar o caráter de cargo único com ingresso no início da carreira, sem que isto esteja vinculado ao equilíbrio dos elementos que determinam o desenvolvimento na carreira, seria criar um corredor rígido e fechado, cuja evolução seria totalmente dependente da avaliação vinculada ao cumprimento de metas, como, afinal, aconteceu com a carreira dos docentes da EBTT.
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