Em defesa da democracia e da paridade
nas eleições para Reitor da UnB
nas eleições para Reitor da UnB
Rodrigo Dantas1
A UnB conheceu, nos 50 anos de sua história, diferentes métodos de escolha de seus reitores:
a) até os anos 1960 e durante toda a ditadura militar, a nomeação dos reitores das universidades públicas era prerrogativa exclusiva do Presidente da República. Não havia autonomia nem democracia na Universidade Pública.
b) nos idos de 1962 (ano de fundação da UnB), o movimento estudantil começou a encampar com a campanha democrática pela paridade nas eleições para reitor (1/3 do peso dos votos para cada um dos três segmentos da comunidade universitária), que contava com o apoio e a participação dos servidores técnico-administrativos e de boa parte dos professores. Na esteira da mobilização democrática da sociedade contra a ditadura militar e pela redemocratização do país, as três primeiras eleições para reitor da UnB após o fim da ditadura foram paritárias (1985, 1989 e 1993, que elegeram, respectivamente, Cristovam Buarque, Antonio Ibañez e Todorov).
c) a lei 9.192/95 do governo FHC introduziu, em 1995, o dispositivo legal pelo qual os docentes devem ter “no mínimo setenta por cento” do peso dos votos nas eleições para dirigentes das Universidades Federais, delegando ao Presidente da República a prerrogativa de nomear o reitor a partir de lista tríplice encaminhada pelo Conselho Universitário. As eleições de 1997, 2001 e 2005 na UnB ocorreram sob a égide da lei dos “70/15/15”.
d) desde então, fazendo valer o preceito constitucional da autonomia universitária (artigo 207), muitas universidades vêm elegendo seus reitores mediante consultas paritárias aos três segmentos da comunidade universitária. Foi assim na UnB nas últimas eleições, em 2008. Trata-se de decisão autônoma e democrática da própria comunidade universitária em seus órgãos colegiados: para eleger seus dirigentes (reitor e vice-reitor), a comunidade universitária implementa consultas informais paritárias, organizadas pelas entidades representativas dos três segmentos; seus resultados são referendados pelo Conselho Universitário, que envia a Presidência da República, nos termos da lei, lista tríplice com os três nomes mais votados na consulta. A Presidência da República, desde 2003, têm nomeado o candidato mais votado na consulta à comunidade.
A reconquista em 2008 do direito de eleger seus dirigentes numa consulta paritária a comunidade teve como ponto de partida a luta democrática contra a corrupção na UnB – desencadeada pela histórica ocupação da reitoria pelos estudantes em abril de 2008, que conquistou a mais ampla simpatia da sociedade e, apoiada em parte expressiva dos professores e servidores técnico-administrativos, levou à renúncia do reitor Timothy e de sua equipe, investigados e denunciados à época pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela Corregedoria Geral da União por práticas de corrupção. A retomada das eleições paritárias para reitor da UnB, após quinze anos, era uma das principais reivindicações do movimento estudantil, assim como o Congresso Estatuinte Paritário, que jamais saiu do papel, embora fosse um compromisso público firmado tanto pela reitoria pro tempore como pela administração de José Geraldo, vitoriosa nas eleições paritárias de 2008. É bem verdade que as eleições paritárias de 2008 não foram exatamente paritárias, já que a fórmula aprovada no Conselho Universitário condicionava o direito de cada um dos segmentos a um terço do peso dos votos nas eleições para reitor à proporção de seu comparecimento efetivo às urnas, o que diminuiu muito o peso do voto dos mais de trinta mil estudantes da UnB. De todo modo, foram as eleições paritárias que impediram que o mesmo grupo que controlou a administração durante as duas gestões de Lauro Morhy (1997-2005) até a queda de Timothy (período em que ocorreram eleições censitárias para reitor, na fórmula dos 70/15/15) voltasse a dirigir a UnB, eleito pela maioria dos professores poucos meses após a avalanche de escândalos de corrupção que os tinha varrido da reitoria (57% do corpo docente votou no candidato a reitor apresentado por este grupo, mesmo percentual obtido pelos apoiadores de Timothy e Lauro nas eleições da ADUnB, realizadas um mês após a ocupação da reitoria, em maio de 2008). Após ter alguns de seus principais dirigentes e operadores condenados judicialmente, outros desmoralizados, e tantos outros respondendo a processos na Justiça por diversas modalidades de corrupção, este mesmo grupo de professores, desde então na diretoria da ADUnB, continua organizado em torno do objetivo de retornar a Reitoria da UnB, e para isso iniciou, entre os professores, uma campanha pelo retorno ao sistema censitário de votação que garante 70% do peso dos votos para os professores (70/15/15).
A fórmula eleitoral censitária dos 70-15-15, se diminui drasticamente o peso dos votos dos técnico-administrativos, na prática alija os estudantes da eleição do reitor da Universidade. Como o peso de 15% do total de votos que lhes caberiam em caso de retorno a este sistema censitário seriam proporcionais a seu comparecimento às urnas, se menos de 5% dos estudantes votam, indignados por sua exclusão política das eleições, como ocorreu em 2005, sua participação seria reduzida a 1%! Adotar a fórmula censitária dos 70/15/15 significaria, portanto, para todos efeitos, que os professores teriam decidido excluir sumariamente todos os estudantes de qualquer participação na vida democrática da UnB para voltar a concentrar todo o poder em suas mãos. Uma Universidade que negue a seus estudantes o direito democrático de participar da eleição de seus próprios dirigentes é uma Universidade que, para todos efeitos, decreta a exclusão política dos que representam a sua própria razão de ser.
O que está em jogo hoje, mais do que uma simples fórmula eleitoral, é o futuro da UnB. Para nós, não há melhor forma de construir as condições para uma gestão democrática, transparente, ética e republicana da Universidade do que envolver os estudantes, os servidores técnico-administrativos e a comunidade universitária na eleição paritária de seus dirigentes, na administração da Universidade em seus conselhos e órgãos colegiados e na fiscalização cotidiana dos atos e condutas de seus dirigentes democraticamente eleitos. Esta foi a lição que aprendemos com o passado recente da UnB, dominado por denúncias de corrupção, pela privatização da coisa pública, pelo esvaziamento anti-democrático e usurpador do poder dos colegiados e conselhos, pela utilização da polícia militar como instrumento de repressão política no campus, etc. Não queremos retornar a este passado. Nem aceitamos retirar de nossos estudantes e de nossos servidores o direito democrático de participar das eleições para reitor da UnB.
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Professor no departamento de filosofia da UnB desde 1995. Eleito e reeleito chefe do departamento de filosofia (2007-2011), foi secretário-geral e presidente da ADUnB (2002-2006), e 2º vice-presidente nacional do ANDES-SN (2008-2010).